quinta-feira, novembro 30, 2006

TEMPO

ele tinha a sensação de que era sempre uma perda terrível de tempo. e era. sempre as mesmas conversas nas mesmas reuniões. a prima que não cansava de falar dos detalhes do casamento próximo, a tia que não desistia de do filho que engravidara a nora que ela não desejava, a amiga que vivia em depressão há 5 longos anos por sentir-se apaixonada por um rapaz que sequer sabia seu nome, o tio que sempre bebia, o pai sempre cansado da azáfama diária, a mãe sempre reclamando de tudo e sonhando alto com uma casa nova que nunca viria.

ele olhava em volta, toda vez era assim. sempre as mesmas conversas, dia após dia, semana após semana, ano após ano.

completara 18 anos, fora convocado pelo exército, foi servir em outra cidade. no quartel era tudo também sempre igual. um sargento que gritava o tempo todo, os colegas contando vantagens sobre mulheres, sobre pescarias inverossímeis, sobre carros que não possuíam. e ele via que era tudo perda de tempo.

terminou o serviço militar e ele não voltou para casa. tomara um trem para a capital. e de lá, um navio para não se sabe onde, embarcara como marinheiro por falta de dinheiro para a passagem.

uma vez mandou um postal da áfrica para os pais, sem um endereço para uma resposta.

anos depois voltou. uma tatuagem no braço, um dedo do pé a menos, uma cicatriz de bala numa perna, uma condecoração de um governo africano.

quando bateu à porta da casa não o reconheceram de imediato. o primeiro a fazê-lo fora o velho pai, o único que não condenva sua saída, e sempre lamentara não ter ido junto.

BARGER

jorn barger cunhou o termo "weblog", e certa vez peter merholz escreveu "we blog" no seu web log... eram os anos noventa, anet não era o que é hoje. lembro que o servidor de acesso ao qual me asociei me forneceu um planode 10 horas mensais... e era uma fortuna, em valores de hoje. essa empresa nem existe mais....

barger sumiu lá por 2000. deu uma reaparecida depois, sumiu de novo.... pioneiro no campo d ainteligência artificial, leitor de joyce e krishnamurti, dono de opiniões controvertidas e de ulonga cabeleira e longa barba.... uma época seu blog foi mantido por amigos, que sequer conheciam seu paradeiro à época...

endereços a visitar, com posts recentes ou antigos, pra quem gosta de arqueologia internética:
http://robotwisdom2.blogspot.com/
http://www.robotwisdom.com/
http://www.robotwisdom.com/home.html

NA MATA

era assim naquele tempo: nossas botas, ou eram velhos coturnos militares, ou as leves mas nem um pouco resistentes botas comander. eu usava coturnos, herdados dos tempos em que era aluno de escola militar. calças jeans velhas, jaquetas jeans velhas, um bom cinto, que aguentasse um cantil pendurado. uma mochila pequena, contendo, no mais das vezes, apenas uma faca ou canivete, fósforos embalados em plástico, alguma panelinha, e comida. nada além disso.

pegávamos o trem e íamos a paranapiacaba, nossa base para as incursões mata adentro, rumo a cubatão. desciamos sempre a serra do mar pela mata, cada vez por um caminho novo, e nunca nos perdemos. já circulávamos há muito por ali, fazendo parte de passeios escoteiros, ou expedições, recolhendo lixo pelas trilhas.

era um domingo, quente, abafado, como sempre. uma camiseta cobria o rosto, protegendo contra os mosquitos, os borrachudos infernais que nos atacavam. descêramos uma trilha, chegamos ao rio. paramos. com alguns galhos secos fizemos uma pequena fogueira sobre uma grande pedra, para aquecer algum almoço. lanches. água do rio.

naquela vez o rio estava alto, muita água descia. continuamos pelo rio, e, num dado momento, através da água. eu ia com água pelo peito, com a mochila ao alto da cabeça, para não molhar nada dentro, quando lembrei que a carteira estava no bolso. minha identidade ainda guarda marcas daquele dilúvio... mais à frente, as solas dos meus coturnos se soltaram. adiante, rasgaram-se as pernas das calças....

à margem, com uma faca, transformei minhas calças em uma bermuda estranha. o claudinei, não sei bem o poruqê até hoje, tinha na mochila dele um par de botas comander beeeem velhas, que me emprestou. por fim, alguns quilômetros adiante minha mochila simplesmente soltou ambas as alças....

meu pobre "equipamento" se desfizera daquela vez. improvisei uma nova mochila com um saco de plástico e uma cordinha de sisal.

chegamos ao nosso ponto final, no pé da serra, a tempo de correr e pegar, em movimento, o trem que nos levaria de volta ao alto da serra, a paranapiacaba. dali outro trem até santo andré.

cheguei, como sempre, exausto e feliz, imensamente feliz, em casa. um dia inteiro na mata... na mata atlântica fechada, nos caminhos onde tanta gente se perdera e morrera, onde nós tinhamos nosso playground. onde viamos cobras pelos caminhos, onde achávamos rastros de outros bichos, onde as bússolas eram inúteis para a orientação, onde éramos livres aos 15 anos.

quarta-feira, novembro 29, 2006

ANATOLE FRANCE

anatole france (http://pt.wikipedia.org/wiki/Anatole_France) sempre foi um homem de coragem. escritor premiado com um nobel (em 1921), apoiou zola no caso dreyfuss, quando émile zola publicou o famoso " j´accuse" (http://pt.wikipedia.org/wiki/J%27accuse). de anatole france, lembro de uma historieta curiosa. certa vez, escrevia alguma obra em sua escrivaninha, quando sua esposa interrompeu seu trabalho com alguma reclamação furiosa sobre algum assunto qualquer. france levantou-se em silêncio, carregando seus papéis, e saiu pela porta. momentos depois vieram os carregadores que levaram a sua escrivaninha para o hotel onde ele se hospedara. não tenho a mínima idéia se o casal reconciliou-se depois. a minha curiosidade é sobre o que ele escrevia naquele momento.

frases: "Os que fazem revoluções não toleram que outros pretendam fazê-las depois deles." (esta deveria referir-se a stálin ou fidel castro...).

"A lei, na sua majestosa igualdade, proíbe ricos e pobres de dormirem sob as pontes, de mendigarem pelas ruas e de furtarem um pedaço de pão." (esta é genial).

BEHRENDT

greg behrendt. auto-ajuda. talvez cruel. mas "ele simplesmente não está a fim de você" é o livro para que mulheres entendam finalmente os homens. para ler uma vez e jogar fora as revistas femininas - todas.

sexta-feira, novembro 24, 2006

ELIOT

thomas stearns eliot. 26.09.1888-04.01.1965. genial, merecendo ser lido a todo custo. apenas uma breve passagem de "the hollow men" ("os homens ocos"):
"between the idea and the reality, between the motion and the act, falls the shadow".

HINO DIÁRIO A SER CANTADO PELA MANHÃ, AO ACORDAR

Lado B Lado A (Letras: Marcelo Yuka e Falcão - Música: O Rappa)

Se eles são Exu
Eu sou Yemanjá
Se eles matam bicho
Eu tomo banho de mar
Com corpo fechado
Ninguém vai me pegar
LadoA LadoBLadoB LadoA
No bê-a-bá da chapa quente
Eu sou mais o Jorge Bem
Tocando bem alto no meu walkman
Esperando o carnaval do ano que vem
Não sei se o ano vai ser do mal
Ou se vai ser do bem
O que te guarda, a lei dos homens
O que me guarda, é a lei de Deus
Não abro mão da mitologia negra
Pra dizer eu não pareço com você
Há um despacho na esquina do futuro
Com oferendas carimbadas todo dia
Eu vou chegar, pedir agradecer
Pois a vitória de um homem
Às vezes se esconde
Num gesto forte que só ele pode ver
Eu sou guerreiro, sou trabalhador
E todo dia vou encarar
Com fé em Deus e na batalha
Espero estar bem longe
Quando o rodo passar

quinta-feira, novembro 23, 2006

ONTEM EM GAIBU

lembro como se fosse ontem. eu corri mar adentro, levando as ondas no peito, queria nadar até onde estavam os surfistas. fui até onde meus 10 anos de idade e 5 de natação permitiam, os olhos ardendo do sal e do reflexo da luz sobre as águas verdes...

cansei, resolvi voltar. e então uma onda forte veio, às minhas costas. perdi o pé, meus pés suspenderam-se do fundo, a água passando com que por baixo do meu corpo... eu fui estranhamente sentado sobre as espumas da onda, carregado em direção à areia, rindo, rindo, apenas rindo enquanto o mar me devolvia à terra firme.

há coisas que só conseguimos usufruir na plenitude dos dez anos de idade.

LAGAMAR, SUPERAGÜI

o sol por todos os lados, a longa praia, a areia seca permitindo caminhar descalço... anoitece, hora de usar o fogareiro para um café, armar a barraca, comer algo... olhando o mar, sob o céu estrelado. dormir sem o teto da barraca, olhando as estrelas. a lua embalando os sonhos.

decididamente, há locais onde se deve ir enquanto ainda não chegarem os hotéis e os turistas. há uma brutal diferença entre ser turista e ser um viajante. brutal diferença, só visível a quem tem olhos de ver.

MOCHILA

ele era cartorário. um pouco de estudo, uma namorada que agora apenas aturava (como se livrar dela,s e estavam juntos desde a oitava série, e a família inteira o conhecia? como explicar que aos 14 anos ela não parecia sonhar tão pouco?), e muita vontade de cair no mundo.

um dia não apareceu para trabalhar. em casa nada encotraram, levara algumas roupas e uma grande mochila. a conta bancária havia sido fechada na véspera, fora visto na rodoviária, embarcando num ônibus para salvador.

dois anos depois foi visto em porto seguro.

15 anos depois ele voltava. a antiga namorada casara com um vizinho e já estava no quarto filho. os amigos de infância levando aquela vidinha. todos com suas casas. com suas esposas. com seus filhos. com seus churrascos de final de semana, com a disputa besta pelo melhor lugar na missa, a briga de foice pela taça do campeonato de futebol do único clube da cidade, a competição pelo carro mais caro.

ele voltou. já havia alguns fios de cabelos brancos a tingir as têmporas. uma cicatriz numa mão.
demoraram a perceber que o novo morador era ele.
abriu uma escolinha de inglês, onde era o único professor. o único professor de inglês da cidade, aquela cidade de monoglotas.

falava muito pouco do tempo que passara fora. deu início a alguns projetos sociais e, ao contrário do que imaginaram quando fez isso, não se candidatou a vereador ou a qualquer outro cargo.
apenas dava aulas de inglês, fazia alguns trabalhos voluntários.

e provocava os mais jovens a conhecerem o mundo.

em pouco tempo o combatiam, acusavam-no de corromper a juventude, de instilar idéias subversivas.

cansou-se. e, de novo, um dia sumiu.

mas, desta vez, a cidade sentiu, e muito, a sua falta, e a falta dos que, posteriormente, aos poucos, foram também saindo, sumindo, viajando, e voltando, provocando e chacolahando a vidinha besta dos que ficavam.

a cidade nunca mais fora a mesma. e os mais velhos reclamavam daquela juventude insolente que preferia estudar a casar cedo. e que inventava de alfabetizar todo mundo, de montar um cursinho gratuito para aqueles que queriam cursar faculdades em outras cidades, de andar e viajar de mochila nas costas.

pois nada mais subversivo do que ter os olhos abertos.

VERTIGO

a doce vertigem do novo. os olhos que, de tão abertos, nada enxergavam, a luz acachapante por todo lado, tudo girando.
e assim ela precipitou-se lá de cima.
na queda, o segundo rápido ia tão lento.... tão lento...
e então ela mergulhou.

tão nova!

o primeiro salto da garotinha, o primeiro salto de um alto trampolim em direção à água azul da piscina.
era assim.
era mesmo assim.
uma idéia na cabeça, um desejo na mente, uma dor no coração, e a imensa vontade de sair correndo. de tudo.
a vontade de dançar como não pudera fazer aos vinte anos. a raiva por tanto tempo perdido, tantas chances concedidas e agora um resto de medo, e uma forte resolução.
tudo ia mudar.
já mudara.
ela agora era livre. apenas isso. e isso bastava. pois de nada adianta tudo o mais se não há ar para respirar, se não há a água para refrescar a sede, e alguém para lhe matar a fome de amor.
era assim.
era mesmo assim.
e assim seria, custasse o que custasse.

PG BLUES

que fazer? ela ainda estava machucada. oito anos, e sobrara um misto de cansaço, asco e mágoa, e uma filha linda para criar.

uma juventude que, agora, ela sabia perdida, por mais que dissessem o contrário - ainda sentia-se um tanto deslocada entre os solteiros, como uma criança pela primeira vez num parque: o receio ainda refreava a imensa vontade de sair correndo. como se não merecesse a desabalada e feliz carreira sobre a relva.

sair da escura caverna de platão ainda causava a vertigem, os olhos desacostumados feriam-se perante a luz, os mesmos olhos que fitavam a boca e traiam o desejo de beijá-la. olhos ainda mais sinceros do que as palavras que ouvia sair de sua garganta. um não que queria, mas não queria, dizer um sim, um longo sim. ou não.

um arrepio por um dedo na nuca.

uma perda de tempo resistindo ao que não se quer resistir. uma timidez no trato pessoal que contrariava a coragem na tribuna. a professora que ora se via aluna.

tudo muito novo. assustadoramente novo, encantadoramente novo.
medo.
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o telefone toca, um número longínquo.
o que se espera ouvir? o que se pode esperar ouvir?
uma conversa despropositada, pois as palavras, em si, por ora foram menos importantes do que a surpresa da ligação ou o ouvir da voz... a doce areia movediça da situação nova. estranho. talvez bom. mas... como saber?
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na cidade milenar dos peregrinos, uma lembrança... a espera de ver um rosto conhecido atrás de cada mochila.
apenas uma lembrança... ou uma esperança? apenas o tempo dirá, o mesmo tempo que é senhor da razão.

REBIRTH OF THE DEAD DOG

um blog que renasce, depois que a outra versão saiu do ar levando consigo alguns arquivos. pra variar, nada que preste. nada que valha à pena memorizar para nossas vãs existências.