segunda-feira, julho 30, 2007

LÍTIO

lítio é um medicamento utilizado no tratamento do transtorno bipolar. lithium é o nome de uma música do nirvana, composta por kurt cobain, fazendo uma crônica do seu transtorno...

stephen fry é portador do transtorno e organizou um documentário sobre o assunto. tratamentos, internações (compulsórias ou não), suicídios, e etc. aborda principalmente o lado do portador e seu sofrimento (que é sim imenso). mas passa muito de leve pelo efeito nos que estão no entorno.

conviver com um portador desse transtorno pode ser uma experiência... emocionante, digamos assim. trata-se de uma eterna roleta russa, pois não se sabe o que se terá pela frente. se um dia a pessoa te ama, no outro avança em sua direção com uma faca em punho. a mudança pode ocorrer em horas. a situação de quem convive pode ser definida em apenas uma palavra: pânico. e, claro, posteriormente: trauma.

eu mesmo já passei por essa experiência, há muitos anos, e ainda tenho pesadelos com o assunto. desenvolvi uma espécie de alergia a portadores, e principalmente, portadoras deste transtorno. a coisa afetou-me maleficamente de tal modo que todo e qualquer relacionamento amoroso posterior àquela experiência foi de algum modo atingido. e uma experiência traumática sempre deixa uma cicatriz. se uma ferida está cicatrizada, não quer dizer que não tenha deixado marcas.

sobre o transtorno bipolar há páginas e páginas na net. basta digitar o termo no google. sobre o sofrimento dos portadores, também há páginas e páginas na net. mas escasseiam informações para os circundantes. eu me pergunto, inclusive, se quem é obrigado a trabalhar na companhia de um portador não deveria receber adicionais de insalubridade e periculosidade... afinal, o refrão de lithium dá a medida do que ouve, a cada minuto, o circundante:

I like it - I'm not gonna crack
I miss you - I'm not gonna crack
I love you - I'm not gonna crack
I killed you - I'm not gonna crack

(eu recomendo a audição, atenciosa, da música...)

terça-feira, julho 17, 2007

CAFÉ DA MANHÃ


11 de julho de 2007. café da manhã no cume do morro do alicate, na serra dos órgãos, com vista para o vale do rio bonfim. 6:30 da manhã, o sol nascia e iluminava o topo das montnhas circundantes. abaixo, na mata, os primeiros pássaros começavam a se agitar, para se aquecer no frio matinal.

sexta-feira, julho 13, 2007

A MONTANHA E AS 3 FADAS

A MONTANHA

era 1960, e john steinbeck saiu a rodar pelos e.u.a. na companhia de seu poodle em um trailer. tinha 58 anos, e desta viagem resultou um livro chamado “travels with charley” (charley era o poodle). em 1962 ele viria a ganhar o prêmio nobel de literatura por sua obra (nãopor esse livreto), mas nesse livro ele faz uma série de considerações sobre viagens... uma delas acrescentei à minha assinatura no fórum www.mochileiros.com: “we don´t take a trip, the trip takes us”. esta semana comprovei a realidade desta sentença.

estava eu picado pelo bichinho da inquietação estradeira/aventureira há meses. sempre viajo a trabalho, mas necessitava de outro tipo de viagem. semana passada, resolvi, de sopetão, fazer a travessia petrópolis-teresópolis, talvez a mais clássica das trilhas brasileiras, na serra dos órgãos, no rio de janeiro. caminho de mais de 30 kms, que os ultra-preparados conseguem fazer em um dia, correndo muito, e os trekkers normalmente fazem em 3 dias, e sedentários podem fazê-lo em quatro. eu me preparei para fazê-la em quatro dias, embora minha intenção fosse fazê-la em três, mas o preparo para quatro dias me daria folga no cronograma para um eventual descanço ou mesmo para me perder lá pela serra.... a serra dos órgãos é um dos mais belos locais do brasil, com montanhas lindas e vistas fantásticas, quando se tem tempo bom. mas quando o tempo está ruim, as tempestades nos picos são horrorosas: ventos muito fortes (já li relatos de barracas que saíram voando, ou tiveram o sobreteto arrancado pelos ventos e chuva), chuva intensa, frio, e sobretudo raios. sim, há até um cruzeiro em homenagem a um grupo de pessoas que certa vez foram mortas por um raio naquele local. assim, a época boa é a metade do ano, estação seca, pois não há chuva, neblina, ventos, raios... e esta semana a previsão de tempo indicava tempo bom até a metade da quinta feira. se eu começasse a travessia na terça, teria toda a quarta-feira para cruzar o trecho açu-sino, local onde muitos se perdem, e pegaria apenas talvez um pouco de chuva no trecho final, o mais fácil sob o ponto de vista da orientação geográfica.

então montei a mochila, com tudo o que precisava caso desse tudo certo e também se desse tudo errado. ou seja, acabei levando comida em excesso. roupas também havia em certa demasia. assim, minha mochila estava muito pesada. muito pesada mesmo. havia eu esquecido que, em dias de esforço intenso, eu como menos do que nos dias normais, quando a gula é muito maior do que a fome... afinal, não é à toa que não sou exatamente esbelto...

na noite do dia 9 de julho de 2007 eu embarquei no ônibus rumo a petrópolis. dentro do ônibus eu rememorava todos os detalhes dos mapas que tinha estudado, detalhando o trecho mais confuso, entre o morro do açu e a pedra do sino. é o trecho onde muitos se perdem, pois se caminha sobre rochas, e, portando, não há trilha marcada. ora, quase não dormi na viagem... portando, no dia seguinte, eu estava cansado. chegando a petrópolis, esperei por um ônibus para o terminal corrêias e chegando a este, procurei um dos dois ônibus que poderiam me levar até a porta do parque. o ônibus que me deixaria mais próximo demoraria a passar, portanto peguei outro cujo ponto final era um pouco mais distante. ou seja, comecei andando bastante e subindo, já fora do parque. com a mochila pesada, com sono e meio gripado, entre o ponto final do ônibus e a entrada do parque eu levei quase uma hora caminhando. e, como diz o ditado, o corpo paga pelas falhas de inteligência...


eram 9:34 da manhã quando eu comecei efetivamente a trilha, na portaria do parque, após ter pago por três pernoites (para ter a liberdade de me perder e poder perder um dia). subindo a trilha eu fui ultrapassado por um grupo de bombeiros que também iria fazer a trilha como parte de um treinamento. ali eu percebi o quanto estava eu lento. mas não precisava correr, pois, como diz um antigo ditado beduíno, a formiga tem passos curtos mas atravessa a montanha. nas diversas vezes em que fiz longos trajetos pedalando (falo de trajetos superiores a 150 kms em um dia), aprendi que o ritmo era importante: quanto mais constante, e não necessariamente rápido, melhor. e fui aos poucos subindo. afinal, a montanha não fugiria de mim.

mas aquele sobe-sobe por uma trilha tão bem demarcada estava meio monótono... um pouco antes da pedra do queijo a senteça do john steinbeck se confirmou: havia uma pequena bifurcação, à direita o caminho normal da trilha, à esquerda uma trilha visivelmente menos utilizada descendente... e, longinquamente, o barulho de água. resolvi descer por ali, apenas para ver onde daria... iria até a margem do rio? a alguma cachoeira? mal sabia eu que estava começando a trilha que leva ao topo do morro do alicate, uma trilha árdua que poucos fazem, pois é árdua, um tanto perigosa, e muito ruim de se fazer com uma cargueira. o morro do alicate é um maciço rochoso em que se chega por trilha de um lado, e por outro se pode escalar, havendo ali uma via de escalada. claro, tudo isso eu soube apenas depois, pois quando comecei aquele caminho eu não tinha idéia de onde iria parar.

a trilha descia, e de repente passava a descer mais abrutamente, sempre escorregando no barro. havia degraus de mais de um metro de altura com espaço para se apoiar apenas meio pé, sucedendo-se um ao outro. e eu com a cargueira pesadona... e, claro, um outro detalhe que iria piorar mais a minha vida depois: eu havia, por falta de espaço do lado de dentro da mochila (na verdade, era apenas uma questão de arrumação), prendido as armações da minha barraca do lado de fora. ou seja, havia criado duas pontas, dois ganchos para me embaraçar na vegetação e ter que,em alguns momentos fazer força em demasia. novamente a sentença se confirma: o corpo paga pela preguiça cerebral.

mas eu descia, escorregava, sentava, descia sentado, apoiava, rolava por cima do bastão de caminhar, e como pra baixo todo santo ajuda, em não muito tempo eu cheguei a beira de um riacho. muito bonito, por sinal. descansei um bom tempo. era então cerca de uma da tarde. peguei mais água (eu estava com um cantil flexível e duas garrafinhas de 600ml, com água com gás: as garrafas de água com gás costumam ser mais resistentes...), completei minha capacidade de carregar água e comecei a ascenção, do outro lado do riacho, pois a trilha continuava, ao lado de um marco: três pedras empilhadas. alguém havia também amarrado uma fina fita de plástico numa árvore, mas isso eu só vi no dia seguinte.

essa segunda ascenção pode ser considerada um caminho de burilamento espiritual... pois o que se sofre nela não tá no gibi. ainda mais quando se é meio tapado, pois se está meio gripado, com uma cargueira muito pesada que possui duas pontas pra enganchar em qualquer lugar. e, pra ajudar bastante, a trilha é repleta de pontos em que taquarais caíram pra cima da passagem. e eu estava sem facão, pois não se deve entrar nesse parque com facão. mas alguém já havia feito isso, pois em diversos locais vi taquaras cortadas.

levei horas fazendo essa subida, no mais das vezes tendo que agachar e me arrastar pelo chão para passar com a mochila, ou mesmo me arrastar arrastando a mochila. a essa hora eu nem pensava em voltar, mas apenas achar um local levemente espaçoso e claro pra montar a barraca. mas a mata era fechada, e eu me extenuava naquela subida, fazendo muitas vezes uma força descomunal para atravessar a rede de bambuzinhos que fechava a trilha em diversos pontos. apenas um detalhe: era muito ruim na trilha, mas muito pior fora dela... a essa altura do campeonato eu já estava desfiando todo um rosário de palavrões, isso quando tinha ar para tanto. mas apesar de tudo, a trilha estava razoavelmente bem marcada. em nenhum momento eu precisei mais de 2 segundos pra saber qual caminho tomar.

e fui subindo, xingando e tomando água. subindo, xingando e tomando água... eram cerca de três e meia da tarde quando percebi que a trilha, repentimanete, deu uma clareada: havia mais sol, a vegetação era um pouco mais rala e subitamente u vi uma pedra e nada atrás dela. subi a pedra e tive uma bela vista do vale do bonfim...

a pedra tinha um marco em cima. embaixo do marco eu vi uma sacola plástica embrulhando algum volume. fui lá, mexi e descobri uma caixa de alumínio contendo uma caderneta, ou melhor, um livro de cume.... e assim eu soube que eu tinha subido o morro do alicate, que, de um lado, tem uma via de escalada (eu depois descobri os dois grampos P fixados na pedra), e, de outro, se chega por uma das trilhas mais pentelhas do PNSO, ainda mais quando se faz gripado, com sono e com uma cargueira pesada....

descansei deitado na pedra uns 20 minutos e então pensei no que fazer. simplesmente voltar estava fora de questão por causa do horário e eu não achei outra trilha saindo dali, e mesmo por que atrás do morro havia um gigantesco vale e então o paredão do macico que liga o morro do açu ao morro da luva... ou seja, mesmo que houvesse algum caminho que me levasse a interceptar o caminho da travessia, demoraria muito a chegar lá. e esse caminho não existia, pelo menos eu não o achei. olhei meu suprimento de água, e vi que tinha algo um pouco superior a um litro. resolvi passar a noite ali e retornar no dia seguinte. fiz uma sopinha de miojo (pra aproveitar toda a água) e comi tudo o que podia, até para baixar o peso do meu estoque de comida...

a barraca eu armei em cima do platô do cume. orgulhei-me, naquele momento, de ser o proprietário de uma manaslu. se fosse como as barracas normalmente encontradas no mercado brasileiro, o piso seria de uma espécie de plástico grosso. as manaslu usam tecido de nylon resinado no fundo, muito mais resistente a furos, e a pedra onde acampei era daquelas de transformar em peneira qualquer plástico com um pouco de peso em cima. mas mesmo assim, montar a barraca não foi fácil. pois a pedra não tinha um espaço suficientemente plano para montar a barraca de modo que os seis pontos em que a armação toca o chão estivessem apoiados. e, na impossibilidade de fixar os espeques, ela foi ancorada de um lado graças a cordeletes amarrados a arbustos situados numa das laterais da pedra, e, do outro lado, com pedras pesadas. decididamente um peso carregado de modo necessário foi o cordelete que levei enrolado num dos bolsos da mochila, que me permitiram amarrar bem a barraca.

montei a barraca de costas para a direção em que ventava naquele momento. isso não impediu um razoável teste de ventos sobre a barraca, pois durante a noite sofri com rajadas vindas de todos os lados. sim, 360 graus de variação de vento. o vento dava uma leve chacoalhada na barraca, e às vezes eu acordava. mas, salvo umas três ou quatro breves acordadas durante a noite, seja pelo vento, seja por eu escorregar em direção ao fundo da barraca, eu dormi das 18:15 até 6:30 da manhã seguinte, quando o despertador do celular tocou.

por falar em celular, um registro. durante boa parte dopercurso eu estava sem sinal no celular. mas eu o havia esquecido ligado no bolso. assim que cheguei ao cume do morro do alicate, ele recuperou sinal e tocou: era o coordenador de um dos cursos onde dou aulas, querendo discutir detalhes do horário de aulas para o segundo semestre.... imaginem a situação insólita: eu, deitado na pedra, meio que recuperando o fôlego, olhando uma vista linda e discutindo dias para dar aulas... contei a ele onde eu estava, tentei explicar o que estava fazendo, mas não sei se ele entendeu direito não...

no dia seguinte acordei cedo, tirei umas boas fotos e tirei mais um cochilo. o fato é que comecei o retorno apenas às 9:10 da matina, após comer todo o pão e bolachas que aguentei comer, e tomar uma caneca de café com leite. três sachês de nescafé, pra dar uma acordada. ainda me restavam cerca de 200 ml de água, que ficou numa garrafa no bolso superior da mochila, pra dificultar o acesso e só tomá-la se fosse realmente necessário. mas o fato é que em apenas uma hora eu estava na beira do riacho que havia cruzado antes, ou seja, na volta, fiz o mesmo trecho em duas horas a menos.... acho que isso dá uma boa medida da dificuldade enfrentada na véspera. nesse riacho me abasteci de água (corpo e cantis), comi mais alguma coisa, fiquei parado cerca de 30 minutos. até por que minhas pernas não estavam lá essas coisas, depois do esforço do dia anterior. mas a descida fora rápida, inclusive por que a trilha estava mais limpa, depois da minha passagem no dia anterior e, desta vez, eu não deixara as armações do lado de fora da mochila... é bom usar o cérebro de vez em quando, pra não criar teias de aranha. por falar em teias de aranha, é incrível a rapidez com que se formam! caminhos que cruzei num dia estavam repletos de teias no dia seguinte!

após o intervalo hídrico comecei a subida íngreme até a interceptação da trilha da travessia. este segundo trecho é o mais íngreme, com aqueles altos e estreitos degraus... o fato é que subi, mas não sem antes rolar algumas vezes com a cargueira nas costas... esse trecho é uma verdadeira escalaminhada, onde utilizamos o corpo inteiro pra andar/subir: pés, mãos, joelhos, cotovelos... por sinal, é trilha pra se fazer de bota mesmo, das boas, que agarram bem o chão em pedras, barro ou o que for, e que proteja be o tornozelo de pancadas e torções.

e então cheguei à trilha da travessia. eram cerca de meio dia. acompanhei dois trekkers que estavam começando a travessia naquele dia. paulistas como eu, estavam fazendo pela sexta vez caminho. haviam terminado duas vezes, das cinco anteriores. e a última apenas um mês atrás, e retornavam assim proximamente para gravar bem o caminho no trecho açu-sino. chamavam-se marcelo e ed, convidaram-me a acompanhá-los, mas fui até a pedra do queijo apenas, para bater umas fotos. estava (e ainda estou) com algumas dores na perna direita, em razão de um dos tombos que tomara no dia anterior.

aguardei mais um pouco ali no queijo, depois que eles continuaram o caminho, e então chegou um grupo de uns seis ou sete adolescentes e um adulto.os rapazes com mochilas menores, o adulto com um mochilão imenso. eles logo conversaram comigo, menos o adulto, que se mantinha mais reservado. este só se aproximou da conversa qunado eu estava mostrando aos rapazes onde eu tinha passado a noite anterior. no começo não acreditou muito que eu tivesse passado a noite lá, e tinha levado a cargueira. mas eu comecei a descrever o perrengue que era a trilha, principalmente no trecho final cheio de taquaras, quando um dos rapazes perguntou a ele se era difícil fazer um desvio por lá. o guia imediatamente dissuadiu o rapaz, dizendo que a trilha era difícil, fechada, e que, certa vez, uma taquarinha lá perfurara-lhe o tímpano...

conversando comigo ele me falava que o comum é fazer auqela trilha em um dia, saindo muito cedo e retornando no mesmo dia, para poder passar pelo caminho, levando máximo uma pequena mochila de ataque. o que confirmava as informações que vi no livro de cume. e que não se deve fazê-la sem um facão. e então apresentou-se, era o luciano, mateiro, sempre encontrado por lá. ficou meio surpreso de eu ter feito o alicate no primeiro dia no parque, ainda mais com aquela tralha nas costas. mas eu, sinceramente, acho que qualquer um com um bom preparo físico faz aquela trilha melhor do que eu, desde que saiba ler os sinais que indicam onde está a trilha (sim, o caminho onde se pisa está coberto de folhas, plantas, e etc, e se não prestarmos atenção saímos da trilha).

o guia passou a me dar dicas depois de locais a explorar, outras trilhas pra fazer por ali, já que eu ia sem guia mesmo...

resolvi descer do queijo rapidamente, queria estar na portaria de petrópolis no máximo às duas da tarde. não sei direito o porquê, mas havia estabelecido para mim esse horário de saída. fui descendo, descendo, cruzei com mais dois caminhantes, depois na bifurcação entre o caminho do açu e o véu de noiva cruzei com mais um grupo que parecia apenas estar subindo até o açu (todos de bermudas e camisetas, além de mochilas, onde se via o isolante pendurado do lado de fora – sinal que se pretende passar a noite por lá). e quando me aproximava da portaria do parque, vi no céu os sinais da mudança de tempo.

o fato é que, quando chegeui na portaria, os últimos resquícios de sol sumiam. e então percebi que eu conseguira usar todos os minutos de sol disponíveis no parque. se não fizera a travessia, tinha feito outro passeio, e me livrara de, no segundo dia, no trecho açu-sino, ter que enfrentar neblina... isto por que previsão do tempo informava que haveria tempo bom pelo menos até a metade da quinta-feira, mas já na quarta a chuva chegava. a viagem me conduzira, mais do que eu a tentara conduzir.

e a útima prova disso foi o fato de eu chegar a tempo de ser informado de que tinha o tempo exato de descer andando par apega ro ônibus no ponto, no horário correto. de fato, não esperei mais de cinco minutos pelo ônibus que me levou até o terminal correias.

-----------------------------------------------------------------

AS TRÊS FADAS

no ônibus que me levou do bonfim ao terminal corrêias uma senhora começou a conversar comigo. era mãe de um guia local, e já havia feito a travessia, dizendo orgulhosamente que havia carregado a própria mochila, com suas roupas. barraca, comida, etc, o filho levara. ressaltou mais de uma vez que fiho era guia, e não mula. e claro, começou a contar como são os negócios por lá.

percebi rapidamente que lá já vigora o padrão-negócio que hoje há no himalaia. o que é passeio pra uns é trabalho para outros. por isso vige o sistema de desinformação, e mesmo no curto trecho que percorri vi que as placa sindicativas de caminho ou foram arrancadas, ou tiveram os nomes “travessia” ou “açu” retirados, riscados, apagados. é uma estratégia besta, pois o PNSO não é o himalaia, e não é necessário ter conhecimentos sobrenaturais para se virar por lá. basta bom senso, estudar os mapas antes, ficar atento às condições de tempo, saber usar uma bússola, etc. mas as pessoas passam batido por isso. não se informam, não se equipam adequadamente (o equipamento bom não necerriamente é caro, e muita coisa pode-se fazer mesmo em casa...), mas apenas compram pacotes. ou seja, aquilo que seria uma boa experiência, vira uma relação de consumo. e numa relação de consumo, quem compra quer ser bem servido. há quem ache que cabe ao guia dar um jeito em condições de tempo... ou na falta de preparo físico...

mas ser arrebatado por uma experiência diferente numa viagem é outra coisa. eu pensava nessas coisas parado no terminal corrêias quando achei melhor não voltar pra são paulo no mesmo dia, mas passar a noite num albergue, tomar um belo banho, comer, ter uma boa noite de sono e então, no dia seguinte, dependendo de como estivese a minha perna, dar uma volta pela cidade, que não conhecia, ou mesmo voltar a são paulo via rio de janeiro.

peguei um ônibus para o centro, após desistir de procurar alguém que me informasse onde estava esse albergue, ali no terminal correias. não havia listas telefônicas por ali.... peguei um ônibus que me deixou na rua paulo barbosa, próximo à antiga rodoviária, e numa galeria ali próxima achei uma lan house para entrar na net e achar o albergue. estava coma página do mapa de localização do albergue quitandinha quando percebi um grupo de 3 garotas visivelmente estrangeiras (loiras, olhos muito azuis, e o indefectível mochilão às costas) com o computador na mesma página perguntando a um funcionário da lan house como chegar naquele local. interferi na conversa e expliquei que ia pro mesmo lugar, e elas me perguntaram primeiro se eu poderia explicar como chegar lá e a menor delas, ante olhares das duas outras, perguntou se poderiam ir comigo. ficaram bem alegres ao serem informadas que eu iria de ônibus e poderiam, sim, ir comigo... um brasileiro pediria rapidamente pra ir junto.

enquanto esperávamos o bumba notei que a menor delas, justamente que levava a maior mochila (uma grande lowe alpine de uns 70 litros, grande pra ela, pequenininha), em pé com aquele peso nas costas se equilibrava fazendo força sendo que as tiras de equilíbrio da mochila estavam soltas. pedi licença pra mexer na mochla, e diante do olhar curioso das três coloque as fitas no lugar e dei um forte puxão, fazendo a mochila colar no corpo da menina, momento em que ela começou a falar rapidamente pra outra que a mochila tinha ficado muito mais leve... e então as outras também fizeram o mesmo...

eram 3 irlandesas, da república da irlanda, rodando o brasil. estavam vindo de belo horizonte, ficariam em petrópolis um dia e pensavam em ir para teresópolis fazer alguns passeios em montanhas. estavam muito decepcionadas com a mudança de tempo, e ainda mais ao perceber que por ali, a neblina é forte, impedindo as vistas belas....

éramos estranhos, conversamos pouco àquela hora. estavam mais simpáticas chegando ao albergue mas eu fui dormir cedo, cansado, enquanto elas tagarelavam no chalezinho ao lado. no dia seguinte eu tomava café enquanto as três corriam pelas ruas no entorno do albergue. acabamos saindo no mesmo horário e, enquanto esperávamos o ônibus descobri que eram estudantes: duas faziam medicina, outra estudava sei lá o quê que não entendi. ficaram meio espatandas ao saber que eu era professor universitário. afinal, na europa, isso tem algum status, mas aqui estamos no terceiro mundo. é engraçado, normalmente, as pessoas normalmente se impressionam mais com o fato de eu ser advogado do que pelo fato de dar aulas de direito. para advogar é necessário apenas o bacharelado em direito e a aprovação no exame da ordem, enquanto para ser professor (salvo em alguma faculdade xexelenta) é necessário isso e mais um mestrado, doutorado ou livre-docência... distorções de um país de terceiro mundo.

mas no ônibus descobriram que meus planos eram achar um guarda-volumes no centro, dar uma volta pela cidade e depois ir embora. pensavam em fazer o mesmo, e de novo, a pergunta: poderiam ir até o guarda-volumes comigo? expliquei que poderíamos ver a cidade juntos também, se isso não as incomodasse... no guarda-volumes (que fica na rua atrás da rodoviária antiga de petrópolis, ao lado de um boteco chamado “amarelinho”) duas cenas engraçadas. primeiro, um gordão que trabalhava lá tentando explicar pra elas onde ficava o banco do brasil. brasileiro acha que um gringo vai entender português se falar abrindo bem a boca e fazendo gestos bem exagerados. elas prestavam bem atenção enquanto ele dizia, falando bem alto, lentamente, abrindo a boa pra cacete, e mexendo bemos braços:

- tu segue nessa calçada colada na parede, daí tu vira pra direita e vai toda a vida, toda a vida, to-da-a-vida em frente que tu vai ver na direita a placa: banco do brasil! ban-co-do-bra-sil! sacou?

as três olharam pra mim de olhos arregalados depois, e uma soltou, timidamente:

i don´t understand...

quando saímos dali deu pra ouvir o gordão gritando pra outro funcionário local:

- caraca mermão, olha o peso da mochila da baixinha, aquela baixinha é forte pra cacete!

é incrível como as pessoas ignoram que uma boa cargueira joga todo o peso pra bacia

guiei-as primeiro ao banco do brasil, e, como lá, as máquinas não aceitavam visa, rumamos ao hsbc. na saída do hsbc a inquieta judith já estava na rua com a página do seu lonely planet aberta procurando encontrar-se no mapa quando uma moça ofereceu-nos ajuda. explicou-nos onde ficava o museu imperial e recomendou-nos ir também à catedral.

o museu imperial vale ser visitado. muito bem montado, dá uma boa visão do cotidiano da família real brasileira no segundo reinado. e vale também pela visão das coroas, das jóias, mobiliários... claro que tentar patinar com aquelas pantufas é uma tentação e tomamos bronca por tentar uma corridinha escorregando...

visitamos a catedral, e depois rumamos à casa do santos dumont. já estávamos filosofando sobre o brasil, a proclamação da república, os pobres tucanos que tiveram as penas do papo arrancadas para o manto imperial, etc.

adoraram a casa do santos dumont. aquelas escadas são interessantes, e elas divertiram-se ao saber que, além do avião, ele inventou pra si um chuveiro quente e também o relógio de pulso... he was a freak, como disse judith diante do jirau onde ele dormia...

tagarelamos na volta, entre a casa do santos dumont e o palácio de cristal, e, dalí, em retorno ao guarda-volumes. a tarde já se ía, com longas conversas sobre expressões em português ou inglês, sobre o gaélico, sobre leprechauns e sacis (ahá, eu aprendi a pronunciar “leprechaun”, e não é “le-pre-xáun” como costumamos dizer...)

as três se mataram de rir ao ouvir a minha explicação sobre a diferença entre o sostaque americano e o britânico: americanos falam com um capim no canto da boca, ingleses com uma batata... depois uma delas perguntou seriamente se eu achava que ela falava com uma batata na boca...

numa frutaria perto da rodoviária antiga elas fuçaram as frutas, sendo compradas uma manga, uma fruta do conde, uma caixa de figos e duas carambolas. estavam extasiadas com as frutas, sendo que uma delas descobriu apenas após o segundo figo ingerido que não precisava comê-lo inteiro, inclusive o cabo...

no bumba até a rodoviária me fizeram explicar a diferença de pronúncia dos diversos ch ou rr do hebraico ou o porquê de são paulo ter uma das maiores concentrações de japoneses fora do japão, no mundo, entre outras trivialidades. na rodoviária pegamos um ônibus que nos levou ao rio de janeiro, mas não sem antes elas exprimentarem o sugar-cane juice, o nosso caldo de cana.

despedi-me das três fadinhas irlandesas e peguei meu ônibus pra são paulo.


THE TRIP TAKES US

eu saí de são paulo pra fazer uma coisa e fiz outra. algumas (muitas!) coisas eu tirei desses 3 dias:

- eu preciso baixar o peso que carrego. vou repensar o uso daquele confortável mas pesado isolante inflável. a mochila teve um pequeno rasgo, mas no ônibus, no trajeto sp-petrô. fora isso, revelou-se fenomenal: é uma mont blanc alpinist 60. confortabilíssima. mesmo começando a trilha com o rasgo, e sendo arrastada por galhos, pedras, etc, o rasgo não aumentou de tamanho. decididamente, nem tudo precisa ser de cordura. mas tem que ser resistente. mas preciso baixar o peso do equipamento mais essencial: o corpo.

- arrumar a mochila adequadamente é preciso, sempre.

- a manaslu discovery light se mostrou uma excelente barraca. mesmo mal ancorada resistiu a ventos rodopiantes, rajadas repentinas, e etc. e olha que eu nem ancorei os 8 pontos normais, o que dirá os sobressalentes...

- não adianta levar coisas pra comer enquanto se anda e deixar no bolso da mochila.

- sachezinho de nescafé e leite condensado em bisnaga. mistura boa, nem precisa tacar açúcar...

- sempre vale à pena explorar um caminho menos trilhados pelos outros.

- o bastão de carbono da azteq resistiu bravamente. tá todo arranhando, rolou comigo ribanceira abaixo. agora, a sua ponteira de borracha... furou e está uns 2 cm acima de onde deveria...

- albergues são um bom lugar para arranjar companhia pros passeios. e não se deve ter vergonha de tentar falar em inglês. os gringos sabem que nós não falamos inglês

- mochileiros são mochileiros. a sub-espécie humana que é o futuro da espécie.

- a serra dos órgãos continua lá. ela que me aguarde....

- trekking solo não é ruim não... o problema é o peso. pois em dois pode-se dividir barraca, fogareiro, panela.

- light and fast é pra quem pode. por enquanto eu tô mais pra slow & heavy.

quinta-feira, julho 05, 2007

FRENCH KISS

na tv, passa "na cama com madonna", filme falso documentário, com cenas da cantora... lembro de ter assistido esse filme no cinema, há muitos anos, ao lado de uma paixão de adolescência que, à época, não me dava a mínima... anos depois acabei por ter um affair com essa pessoa, um breve, brevíssimo affair, rompido por mim, e que me fez introjetar a frase que cansei de repetir aos outros: a vida só se vive para frente. e mais, aprendi a não lamentar antigas frustrações, pois a vida apenas nos nega o que nos poderia fazer mal...

uma certa dose de frieza, de endurecimento, de calejamento da alma se fez por deveras necessário, quando se deixa o mundo onírico da adolescência. é preciso ir adiante.
______________________________________________

french kiss é o nome que os anglo-saxões dão ao beijo de língua, carícia por muitos povos ignorada até alguns anos atrás. esse era um costume predominantemente europeu, dos "devassos" franceses da corte do ancien régime... o melhor relato (um tanto moralista) da época, delicioso retrato traçado em forma epistolar, é le liaisons dangereuses (as relações perigosas), de pierre-ambroise-françois choderlos de laclos, obra que já recebeu pelo menos 11 adaptações para o cinema, tanto as mais "realisticas" (próximas do texto), como as de stephen frears e milos forman, aliás, do mesmo ano de 1989... outra versão que tem sido cultuada por alguns adolescentes que desconhecem a origem das obras, é "segundas intenções ("cruel intentions"), versão "atualizada" para a nova york dos anos 90, com um valmont que dirige um jaguar XK 120 roadster 1949.
____________________________________________________

na versão de stephen frears para o romance de laclos, aparece um brasileiro, fazendo o papel de um "castrato". era paulo abel do nascimento, que morreu em 1992. os castrati eram cantores homens com registro de voz soprano. comuns do século XVI ao século XIX, eram garotos órfãos castrados antes ou no início da puberdade para que não desenvolvessem voz masculina. ficavam com a voz infantil feminina, porém movida por uma caixa torácica masculina, o que dava uma potência soberba à voz. a prática de castar os garotos para este fim foi proibida na europa no século XIX, tendo o último castrato atuado na capela sistina apenas até 1913. o brasileiro paulo abel do nascimento não foi castrado, mas possuía um problema hormonal que impediu o desenvolvimento da voz masculina, sendo talvez o primeiro caso de castrato natural conhecido.

mas o mais famoso foi carlo broschi, il farinelli, para quem muitas peças foram escritas, especialmente. dado a inexistência atual de castrati, essas peças não podem mais ser reproduzidas, mas podemos ter uma idéia através do filme de gérard corbiau de 1994, com o nome "farinelli". no filme foi feita a junção eletrônica de vozes para se poder chegar perto da voz de farinelli.
______________________________________________

homens que casam cedo muitas vezes se sentem como os castrati. parecem ter arrancada de si uma parte da vida, muitos assim agem, falam, dizem. mas é difícil dizer se isso é a verdade, pois não me enquadro nesse caso. o que posso dizer é que cada mulher de minha vida aperfeiçoou-me para a próxima, e assim por diante, até que eu achasse a mulher de minha vida, cujo porta-retrato com sua foto não sai de minha escrivaninha nem suas fotos deixam meu palm. e cada dia longe dela me fazem sofrer pela ausência de seus beijos.

segunda-feira, julho 02, 2007

UNE NUIT, UN CHAT




os olhos brilhavam na escuridão e daquele ponto observava os humanos. morava em um parque arborizado na avenida paulista, e, naquela noite, sorrateiramente atravessara uma rua lateral, passara por meio a prédios escuros, aboletara-se no canto superior externo da mansarda de um prédio em construção.
não era nem grande nem pequeno, de dia diriam que era malhado, ou rajado. algum gatófilo pernóstico diria que era um belo exemplar de brazilian tabby. mas era noite, e sabe-se, à noite todos os gatos são pardos, e não era ele uma exceção.
“samedi, le nuit. pourquoi les humains sont tant bizarres?” perguntava-se observando os pedestres nas calçadas.
uma mulher o viu, quis chamá-lo, mas seu chamado chegou aos seus sensíveis ouvidos como um guincho estridente, fazendo-o recuar, escondendo-se na sombra.
Mais informações »

DIMANCHE, LE MATIN

ele acordou e ouviu o doce ressonar dela ao seu lado. o sol parecia pedir licença para avançar por entre a cortina diáfana que, com má vontade, cobria a janela. ele passava os dedos pelas costas dela, sobre a penugem dourada, seguindo o traçado da coluna. kundalini.
ela virou lentamente a cabeça, abriu os olhos e um sorriso.
dividiam o jornal e as torradas, a manteiga e as geléias, o café e o leite. às vezes o silêncio era quebrado por um suspiro ou um comentário qualquer sobre algo publicado, mas não importava o que fosse dito ou pensado, mas a comunicação em si: o contato.
foram a uma feira de artesanato qualquer, almoçaram em algum restaurante charmoso qualquer, passaram a tarde em uma livraria, assistiram um filme europeu qualquer, ela recostada ao ombro dele, as mãos entrelaçadas como se fossem uma só.
a noite achegou-se, e então ela foi embora, de volta à sua cidade. ele voltou à casa só, sozinho numa multidão de amores mas, para ele, então, a cidade estava deserta pois ela não mais estava lá.

(texto de 23/05/2005, recuperado graças à bruna e ao camilo)