sexta-feira, dezembro 29, 2006

TODOS OS NOMES

nomes são interessantes. dizem muito, mas não sobre a pessoa, mas sobre seus pais, suas origens. dizem mais que sobrenomes. sobrenomes foram criados há pouco mais de 200 anos apenas, salvo exceções. não raro, serviam apenas para indicar a origem geográfica de uma determnada pessoa: leonardo "da vinci", vinha da cidade de vinci, michelangelo merisi era da cidade de caravaggio, e como tal ficou conhecido. entre os portuguêses, os moradores do litoral eram "da costa" e os do campo, da selva, eram "da silva". um "de" pode também indicar um título de nobreza, seja em que língua for: "of", "von", "van"... ou não.

mas nomes dizem muito. os prenomes. principalmente em países de grande imigração de gente empobrecida e iletrada, como o brasil ou os e.u.a. os sobrenomes no máximo dão idéia do analfabetismo ou simples tentativa de integração (americanização ou abrasileiramento) de sobrenomes: sobrenomes estrangeiros adquirem grafias distintas das originais: "chinaglia", sobrenome italiano, pode virar "quinalha" no brasil. nos e.u.a., o germânico "fischer" virou "fisher". acontece tanto pelo analfabetismo dos pais, que não sabem dizer como se escreve seu sobrenome, ou pura má-vontade de cartorários.

e em ambos os países, brasil e e.u.a., vemos pessoas "adquirindo", ou melhor, atribuindo a si mesmos sobrenomes que lhe eram estranhos. como ex-escravos que, libertados, adquirem sobrenomes das famílias de seus ex-donos, ou os órfãos que, na ausência de sobrenome, têm sua paternidade atribuída a santos: fulano "de jesus", beltrano "da conceição".

mas os prenomes dizem mais. tanto nos e.u.a., quanto no brasil, a baixa escolaridade generalizada e a freqüência de determinados sobrenomes fez com que os pais, progressivamente, procurassem distinguir os filhos por prenomes diferenciados... acrescente-se a isso o desejo de ver prosperar o filho. por que não dar-lhe o nome de alguém famoso?

assim, pululam prenomes que são, no mais das vezes, sobrenomes estrangeiros... como um diretor da polícia goiana chamado hitler mussolini pacheco... ou um colega de meus pais, o sr. rooosevelt, ou meus colegas na escola, os irmãos cronin e cromwell, ou outro colega: van dick. afora a multidão de andersons, wellingtons, washingtons, claytons, emersons, edsons, e etc.

não raro também são prenomes estrangeiros: jean, charles, etc. e também não raro são prenomes estrangeiros que mudam de gênero no brasil: alison, que no inglês antigo é diminutivo de alice e é usado como prenome feminino nos países anglo-saxões, aqui no brasil virou nome masculino. conheço diversos... e também ocorre no sentido inverso: o prenome masculino que aqui vira feminino. ou o diminutivo de prenome masculino que vira prenome feminino aqui: vide o caso de certa apresentadora de tv que deu à filha um prenome assim: sasha, diminutivo utilizado na rússia para prenomes masculinos como "alexader", "alexei", "alexis" (que também têm como diminutivo "aliosha"). ou vemos simplesmente pessoas que têm prenomes que são meros diminutivos, como "mike" (diminutivo de "michael") ou "bob" (diminutivo de "robert"). lembro de um americano que ria bastante ao saber que o nome de seu camareiro no hotel era mike ferreira da silva. como nós riríamos se soubéssemos que um francês qualquer se chamasse "zé foucault".

alguns prenomes são comuns a várias línguas, cada qual tendo sua forma: joão, juan, john, giovanni, jean, e etc. e admitem ambos os gêneros, com as devidas variações: joana, juana, jeanne, giovanna, etc. nada contra se utilizar um prenome de língua estrangeira (é o meu caso, inclusive), mas é interessante notar as mais esquisitas variações de grafia, "enobrecedoras", no mais das vezes trocando um "e" ou um " i" por um "y", por exemplo e, para piorar, mudando a tonicidade da palavra. assim, "simone", nome hebraico feminino variante de "simon" (simão), pode virar "symone", ou "simony" - neste caso, ainda sendo pronunciado como oxítona ("simone" então vira "simoní").

um caso interessante é o do nome "miguel", que vem do hebraico "michael" (oriundo de um antigo grito de guerra anterior ao rei david: "mi ha el?" - "quem é [nosso] deus?", embora o nome michael se escreva com het, e o grito se grafe com hei). nome bíblico, atribuído ao arcanjo líder das hostes celestes. com variações nas línguas européias: michael (em hebraico, inglês, alemão - e com pronúncias diferentes), michel (francês), michele (italiano, pronuncia-se "miquéle"). os anglo-saxões eram notórios pela sua ignorância das línguas semitas, de modo deram outras pronúncias aos nomes semitas via de regra transliterados por meio do alemão. assim, pronunciam "michael" como "máiquel", "joshua" (ou "yoshua" , nome hebraico já transliterado como josué, josias e jesus) como "jóshua", e por aí vai.

para piorar, brasileiros ouvem falar de diversos "michaels" americanos, e grafam do jeito que ouvem, ou que pensam ser o correto. assim, "michael" vira "máiquel", "maikel", "maykel", "maykom" e etc....

na variante feminina do mesmo nome, miquelina ou micaela, vemos as grafias diversas dos originais estrangeiros, michelle (francês) e michela (italiano): aparecem micheles (coicidindo com a variante masculina italiana "michele"), michellis, michelis, michellys, michelys...

e depois surgem as invenções. nomes que resultam da junção dos nomes dos pais, como um antigo colega de escola, cujo pai era wilson (o que já é a utilização de um sobrenome anglo-saxão como prenome) e sua mãe chamava-se janete (aportuguesamento do francês jeannette - joana). assim meu colega chamava-se janílson (com acento) e sua irmã, wilsete... ou aparecem nomes que resultam de criação sobre partículas de outros nomes: mônica + denise vira monise, adriana + danielle vira adrielle, que também pode ser adrielly, ou simplesmente drielle ou drielly (uma pesquisa dessa variante no google remeteu-me à página da travesti "drielly riuston" - seria "riuston" uma grafia diferente - e bem brasileira - de "huston"?).

nomes, nomes, nomes... depois de tantas invenções, criações, etc, aqueles que receberam dos pais esses nomes estranhos acabam por dar aos próprios filhos nomes mais tradicionais, não raro recorrendo a nomes de avós, bisavós, tataravós, e etc. e assim ressurgem antônios, diogos, emílias, emilianas, fernandas, júlias, julianas, e etc. uma geração que não terá que ter que ficar o tempo todo tendo que explicar como se escreve seu prenome: "é edimilainy, e, d, i, m, i, l, a, i, n e y no final... mas pode me chamar de édi. todo mundo me chama assim.... e como é o teu nome? ah, wandyklewerson? com w, y, k e w? que lindo..... posso te chamar de vandi?"

quarta-feira, dezembro 27, 2006

UDIGRÚDI EM CURITIBA!

houve um tempo em que o inglês era mais mal-falado ainda no brasil, do que hoje. tempos em que "self-service" era "sev-sesse", ia-se num shops cents, e underground era udigrúdi.

e as capitais brasileiras tinham cada qual seu undigrúdi. o rio fez surgir suas bandas nos anos 80, assim como brasília, são paulo e também o sul do país. o rio grande do sul tinha bandas como replicantes, de falla, e a turma só lembra dos ultra-chatos engenheiros do hawway.

a mania do udigrúdi permaneceu. o que mudou foi a música. acho que quem bem marca a transição é a banda happy mondays. new order já dava os claros sinais da tendência. mas com o happy mondays, a coisa ficou bem clara. a partir dalí, nas festas, os dj´s passaram a mandar mais que as bandas.

e os locias udigrúdi foram progressivamente deixando de ter bandas, mesmo quando dedicados ao rock. na ausência de bandas, ausência de palcos. locais menores, aconchegantes ou claustrofóbicos, dependendo do ponto de vista.

curitiba, de onde acabo de chegar, tem também seu udigrúdi. curitiba tem uma cena underground interessantíssima, tem suas casas.
tem o veterano empório são francisco (rua presidente carlos cavalcanti, 1138 - são francisco - 3222-0301), com palco e bandas tocando. já tive algumas histórias por lá...

tem os modernosos james bar (rua vicente machado, 894 - centro - 3222-1426), reduto de mods em geral, com direito a vídeos do who no telão do andar de cima, e o nico (rua joão negrão, 45 - centro - 3323-5392 /91275985), que fica num sub-solo, e usa a antiga caixa forte de um banco como pista de dança. esses locais são cheios de gatinhas bem tatuadas, com seus piercings.

há também outros locais, pois curitiba é, definitivamente, uma cidade a ser bem explorada.

sábado, dezembro 09, 2006

nineteen sixty-nine

era dezembro. 1969. uma segunda-feira, o clima já começando a ficar quente.... o ano de 1969 fôra todo quente, não só na temperatura ambiente, mas na temperatura política: 13 de dezembro de 1968 marca o mergulho do brasil nas trevas: é decretado o famigerado ai-5, o ato institucional que supendeu o habeas corpus, suspendeu a legalidade, suprimiu a liberdade. trevas. após o ai-5 não havia mais possibilidade que não tomar as armas e partir para a luta.
mr-8, vpr, var-palmares, tantas organizações em 1969 tiveram seu primeiro ano.
fora das trevas brasileiras o mundo fervilhava...

em 1969 o homem chegava à lua, pink floyd lança o emblemático álbum ummagumma, em 15 a 17 de agosto ocorreu numa fazenda americana o maior festival de rock de todos os tempos: woodstock.
em 1969, nesse festival, hendrix fez a mais adequada e emblemática interpretação do hino nacional norte-americano. joan baez consagrou-se como a musa da música de protesto, também em woodstck, e manteve a fama: nos anos 80, aportou ao brasil, proibida de tocar, ameaçada de ser presa pelos brucutus bruta-montes da ditadura militar, desobedeceu a ordem e, no largo de são francisco, tocou uma música nova, dedicada aos alunos da velha academia: children of the 80´s.

mas o ano era 1969. ano pesado, de gente sumindo nos porões, das masmorras. em novembro. carlos marighella foi morto numa rua dos jardins, em são paulo.

era dezembro, 1969, um ano quente. segunda-feira, 8, começaram as contrações. ele, nervoso e sem carta de motorista, colocou-a no fusquinha e levou-a ao hospital. era o primeiro filho... o casal estava só, numa cidade do abc. sem parentes por perto. menos de um ano de casados...

um parto complicado: nem a fórceps... cesariana de última hora. nascia o sol do dia 9 quando veio ao mundo. pesando 3kg e 300 gramas... 51 centímetros... sagitário, ascendente em capricórnio. uma imensa vontade de conhecer o mundo e contar a todo mundo o que sabia, o que aprenderia, pois dividir conhecimento é multiplicá-lo.

talvez por ter nascido após tanto trabalho, às 6 da manhã, odeie tanto acordar cedo e, talvez por ter nascido naquele que talvez seja o mais negro ano da história brasileira, goste tanto da liberdade....

a criança nasceu. mamava bem, rosnava quando o acordavam cedo, cresceu saudável, com ossos fortes, vaso ruim que raramente trinca, nem quando caiu de cabeça de um coqueiro, quando uma onda quase o afogou, quando um carro atropelou-o e jogou-o a dez metros de distância (e nem por isso ele deixou de ir à festa à qual se dirigia), quando em casa todos pegaram caxumba e ele não. primeira gripe aos 9 anos de idade. primeira fratura (exposta) com gesso aos 31, primeiros 200kms pedalados de uma tacada só aos 34, primeira aula/palestra proferida em uma faculdade aos 17, primeiro e-mail em 1996, e uma vontade eterna de correr o mundo...

quem foi gerado e gestado em 1969 só pode ser libertário, só pode entender que viver é resistir. a pedra dura caleja e adestra a mão, a melhor vista só se tem depois da árdua escalada, a praia virgem após a árdua caminhada. pois se nada é anormal, bom é ser incomum: como um gato vira-latas com orelhas rasgadas de tantas brigas, e cada unhada recebida se torna uma marca distintiva.

a dor e a delícia de ser o que se é. apenas mais um.

sábado, dezembro 02, 2006

VOCÊ NÃO ENTENDE NADA/COTIDIANO

http://www.youtube.com/watch?v=E6GdSgHXShc

VOCÊ NÃO ENTENDE NADA (Caetano Veloso)
Quando eu chego em casa nada me consola, você está sempre aflita
Lágrimas nos olhos de cortar cebola, você é tão bonita
Você traz a coca-cola, eu tomo
Você bota a mesa, eu como, eu como, eu como, eu como, eu como
Você não tá entendendo quase nada do que eu digo
Eu quero é ir-me embora, eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
Eu me sento, eu fumo, eu como, eu não agüento, você está tão curtida
Eu quero é tocar fogo neste apartamento, você não acredita
Traz meu café com suita, eu tomo
Bota a sobremesa, eu como, eu como, eu como, eu como, eu como
Você tem que saber que eu quero é correr mundo, correr perigo
Eu quero é ir-me embora, eu quero é dar o fora
E quero que você venha comigo...

COTIDIANO (Chico Buarque)
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã

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em algum momento alguém resolveu cantar essas duas músicas conjuntamente. um casamento perfeito, uma vez que ambas tratam da mesma coisa, do mesmo assunto, da mesma sensação de náusea que alguns homens sentem na cotidianidade, a vontade tresloucada de chutar tudo, procurar uma vida fora da alienação diária, diuturna, neuroticamente enlouquecedora da repetição dos dias. percebe-se que o que ainda não os deixa simplesmente enlouquecer de uma vez é a presença da mulher: que não cura esse sofrimento, mas o amor que sentem por ela torna essa incomunicabilidade ainda mais sofrida. a mulher que parece não entender esse profundo desespero. a mulher que é amarra e esperança, que faz todo dia tudo sempre igual, mas que se deseja mesmo assim que vá junto.

uma estranha e profunda relação entre homem e mulher, uma mulher que se apóia em tudo em um homem que ama, mas um homem em ponto de ruptura.

na mitologia africana essa tensão pode ser vista no relato das histórias de oxóssi, o orixá da caça, o corre-mundo, e de seu casamento com a refinada oxum, das jóias refinadas, faceira, bela e sensual como só ela pode ser. ou a desobediência de oxóssi a sua mãe iemanjá: vai à mata, é afinal sequestrado por ossaim e quando volta é expulso de casa. ogum, seu irmão, um impaciente corre-mundos também deixa a casa. e iemanjá torna-se a imagem do sofrimento, chorando a distância dos filhos, distância esta decorrente da sua não compreensão deste impulso masculino.

é interssante, pois na mesma mitologia afro-brasileira, os orixás do conhecimento sõ os orixás "de fora", os corre-mundos, os apartados: ossaim, que mora na mata, isolado, e detém o conhecimento das folhas, da ciência médica; oxóssi, o caçador que traz esse conhecimento da mata aos homens, a filosofia, a sabedoria; e ogum, que pesquisa os metais, faz a guerra, abre estradas, e é a técnica.

a técnica, a ciência e a sabedoria não se acham na cotidianidade, no espaço "de dentro", mas fora, e muitas vezes são difíceis de expressar, assim como o impulso em sua direção, como dizem as músicas: "todo dia eu só penso em poder parar, meio dia eu só penso em dizer não", "você tem que saber que quero é correr mundo, correr perigo, eu quero é ir-me embora, eu quero dar o fora, e quero que você venha comigo".

o impulso à frente não se encerra na cotidianidade. um impulso diferente da construção: essa sim precisa ser laboriosamente cotidiana, soma que é de pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo, viga sobre viga. esta precisa da adminstração perseverante, mas só ocorre depois que houve o impulso da ciência, da técnica, da sabedoria na escolha de ambas. o impulso da descoberta é anterior, a "novidade" é anterior. por isso, dente o panteão afro-brasileiro, oxóssi e ogum, principalmente, representam o novo, o alargamento de limites e fronteiras, enquanto xangô e oxalá representam a estabilidade, a manutenção do que se constrói.

construções assim repetem-se em todas mitologias. odin, o grande deus nórdico da guerra é também viajante, é também um deus do conhecimento: troca um dos seu solhos por todo o conhecimento do mundo, se faz acompanhar por dois corvos e dois lobos, sempre vestido com uma capa de viagem, e raramente parando em sua cidade, uma vez que está sempre a perambular a pé ou sobre seu cavalo de oito pernas.

e a mensagem é sempre a mesma: o conhecimento urge, e está "lá fora". e tensiona-se com a cotidiano, sobrevindo algum tipo de rompimento, de ruptura: a estabilidade é estagnação.