sábado, fevereiro 17, 2007

KADDISH

entre os hebreus, quando alguém morre, é necessário que um filho ou um parente seu salve-o do inferno. faz-se rezando diariamente o kaddish, a oração fúnebre, durante um ano. todavia, como pensar que seu pai ou mãe está a caminho do inferno? não se espera isso dos próprios pais. mas por precaução, reza-se o kaddish, diariamente, por onze meses.

onze meses. não é um ano, mas é quase. é o suficiente para se perceber que o verão se foi, chegou o outono, o inverno, a primavera e outra vez o verão. uma criança de onze meses, como a minha sobrinha ao seu tempo, anda, ensaia palavras. expressa-se já, de algum modo. onze meses é tempo maior que dois semestres letivos, que um ano letivo efetivo. não é pouco. não o é.

onze meses é tempo para conhecermos o modo de ser de uma pessoa com quem se convive bastante. já conhecemos seus gostos, suas reações, e se há algum falso encanto, esse já se foi. mas e se o encanto permanece? e se nossos olhos brilham ao ver essa pessoa, se ansiamos por sua companhia, por suas palavras, por uma conversa gostosa e um abraço, as mãos dadas?

não é pouco, decididamente não o é.

onze meses. não é um ano, mas é um pingo de eternidade. pois o tempo não parece correr.

michelle, você entendeu.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

SIMPLICIDADE

antes era mais simples. era tudo mais fácil, e o tempo não parecia escorrer por entre os dedos, não havia tanto peso nas coisas. um dia de sol, a areia branca, as ondas do mar... ou um domingão pela manhã, a piscina, o squash... ou acordar bem cedo, pegar a bicicleta, e sair a pedalar...

as coisas não eram melhores, apenas diferentes. cada época, cada tempo, tem seu modo de ser. se não há mais o squash ou a piscina, há as estradas, as mochilas, ou outros pequenos e delicados prazeres, como o ocorrido agora há pouco, achar, num livro, um longo e dourado fio de cabelo de alguém cuja ausência se sente.

as ausências só dóem, de fato, quando das pessoas que não mais estão aqui. no mais, é apenas um aquestão de tempo, de arranjar um tempo, para um delicioso bate-papo, uma xícara de café com leite, algumas risadas gostosas. e a leveza volta e como disseram há tanto tempo em outro contexto, tudo o que é sólido desmancha no ar... pois o sólido pesa, e é preciso ser leve para voar.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

ETNOCENTRISMO

"dancing days are here again..." - led zeppelin é sempre bom.

quando estudamos a cultura e a história do japão, temos sempre que fazer a remessa à china. a influência chinesa na cultura japonesa nunca foi negada pelos próprios nipônicos, mas sim muitas vezes ostentada. inobstante todas as peculiaridades da cultura nipônica, não se nega a brutal influência chinesa: os kanji são de origem chinesa, o zen é, na origem o cha´an chinês, os dragões são desenhados praticamente do mesmo modo, apenas com significados diferentes, e etc. isso, inclusive, sempre gerou no povo japônes o complexo de inferioridade mascarado em complexo de superioridade, que levou o japão a, diversas vezes, colocar-se numa situação de superioridade em relação à china, seja na discussão intelectual, seja mesmo subjugando populações chinesas, como na primeira metade do século XX.

mas os gregos... os gregos são o povo que, miticamente, fundaram a europeidade. em tese, foram os primeiros a romper com as explicações míticas, recorrendo àquilo que seria depois chamado de filosofia. sua arquitetura, de colunas belíssimas, até hoje é sinônimo de nobreza: se se quer dar um ar de nobreza até a um restaurante italizano nas americas, se coloca colunas na fachada... todavia, colunas elegantes como as do pathernon existiam 2.500 anos antes da construção do mesmo (há cerca mais de 2000 anos), num outro lugar... no egito!

no campo da arqueologia hoje, discute-se qual o tamanho da influência egípcia (e eventualmente persa e/ou assíria) na cultura grega. a distância que há entre a grécia e o egito é, basicamente, a mesma entre o japão e a china. mas com uma diferença brutal: o mar do japão é tempestuoso (lembremos que gengis khan não invadiu o japão pois o deus kamikaze, o furacão, afundou a esquadra do mongol) enquanto o mediterrâneo, o mare nostrum, é, comparativamente, um lago... ou seja, mais fácil ainda é a navegação entre a antiga grécia e o egito - afora o caminho por terra, pela palestina.

há pinturas em túmulos faraônicos mostrando gregos - provavelmente cretenses - entregando presentes ou tributos aos faraós. e são anteriores, bem anteriores, à época de péricles ou mesmo de homero.

discute-se também uma eventual influência do pensamento oriental (chinês?) no nascer da filosofia. para mim, particularmente, a dialética de heráclito lembra muito o conceito de yin e yang - e sua enterna transmutação de um em outro, sua constante inconstância - que o tao nos passa.

mas ainda há os que mantêm a visão etnocêntrica formulada no século XIX - o século onde a europa achara que surgira do nada, de repente, na grécia, e frança e inglaterra (então com controle político sobre, respetivamente, egito e índia), disputavam a posse daquilo que cada uma dizia ser a raiz da humanidade, a cultura mais antiga, a origem do mundo: o egito ou a índia, dependendo de quem era seu "dono".

estranhamente, não eram os árias apenas um povo indiano? seu nome não foi utilizado para justificar uma certa ideologia mítica e altamente discriminatória, de superioridade racial, o arianismo?

tsc, já sabemos onde vai dar o discurso etnocêntrico.... o cúmulo do etnocentrismo é câmara de gás.