sábado, janeiro 27, 2007

PALAVRAS

ausência. falta. distância. angústia. saudade. há horas em que todas as palavras são incompletas. é como se... não há como descrever. o consolo é que isso terminará logo. pois dói.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

AMARGO

- você não! temos que verificar umas coisas ainda.
ele percebeu na hora que estava sendo barrado por suas feições. apenas por isso. seus irmãos acabaram de entrar. ele não.
de dentro da guarita, com seus documentos, olhavam para ele, repetidas vezes.
voltaram com sua identidade na mão. perguntaram de novo seu nome. nome de seus pais. data de nascimento. como se fosse falsa. como se ele talvez não soubesse os dados que ela continha. como se ela não fosse dele.
e ele sentiu, mais uma vez, o gosto amargo da discriminação.
sacou o celular, ligou para o organizador do evento, comunicou o que ocorria.

um pequeno corre-corre, o interfone tocando na guarita, um dos guardas de olhos arregalados, um outro segurança vindo correndo lá de dentro...
abrem a porta, e ele ouve, de um deles:
- desculpe excelência, foi um engano, desculpe, desculpe....

e ele pensou, de "você" passou a "excelência". não ficou enraivecido com os seguranças, foram treinados por seus patrões para serem assim. muitos dos antigos capitães do mato eram afro-descendentes....

e ele sabia que passara por isso apenas pelas suas feições. não rea nem um pouco confortável ter feições árabes num mundo pós 11 de setembro, e tentar adentrar um consulado americano. e enquanto ele subia os degraus da escada da frente, pensava em quantas situações semelhantes não estariam passando os negros brasileiros, cotidianamente, diariamente, a cada hora.

o gosto amargo da discriminação não tem cor. é universal.

terça-feira, janeiro 23, 2007

CRIMES

então fôra daquele modo. ele já acostumara-se com as traições dela - toda tarde, trajando roupa íntima, na frente da web cam.... a filha sempre ficava pasma com o comportamento da mãe... e ele suportava, pois não admitia separar-se novamente.

uma humilhação atrás da outra. em seu ambiente de trabalho, todos conheciam sua história, afinal, ela tivera o desplante de cantar colegas seus de trabalho. no começo ele até acreditava que eles é que a tinham cortejado... mas um rapaz espalhara certa vez um e-mail que ela lhe mandara, com propostas digamos... indecorosas. não enganava mais ninguém. todos sabiam, e, se ele não era de fato traído, era por que ela não era nem um pouco atraente... um verdadeiro traste, diziam alguns.

um dia, cansou-se. por subterfúgios, fizera-a ingerir uma grande quantidade de psicotrópicos. e ela bebia tanto.... a parada cardíaca foi inevitável.

ninguém percebera que fôra homicídio. ninguém. foi um viúvo feliz por muitos anos. viveu o suficiente para ver que a filha em nada herdara o caráter da mãe. pensava nisso quando veio a imensa vontade de dormir que tivera após um almoço que a filha lhe preparara... um sono tão forte que nunca mais acordou. é, a filha em nada puxara à mãe, apenas ao pai.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

M

(texto antigo, recuperado)


eu queria escrever sobre teus olhos. mas para isso seria necessário que ora me fitassem, e então eu não conseguiria escrever, pois teu olhar hipnotiza-me.
queria escrever sobre os longos dedos de tuas mãos, sobre teus braços, mas para isso seria necessário que me abraçasses, e teus braços me enlaçam como doces cadeias, laços que não sei se quero desfazer. pois sabes que gosto e rio quando sento em público ao teu lado, e quando falas tua mão, sem querer acaba escorregando sobre minha coxa, e quando percebes a retira assustadamente. teus atos falhos dizem tanto de ti!
eu queria escrever sobre tuas pernas, mas são longas, e minhas mãos apenas as querem percorrer.
eu queria escrever sobre teu corpo esguio, mas meus braços só querem saber de enlaçá-o, abraçá-lo, apertá-lo de encontro ao meu.
eu queria escrever sobre tua boca, mas para isso quero teus beijos, pois adoro quando me agarras e tua língua procura a minha, com todo o teu ímpeto, com toda a tua falta de delicadeza nesse momento, dada a urgência de tua sede, de tua gana sobre mim.
eu queria escrever sobre ti. sobre o teu riso quando me vês, sobre o teu andar apressado em minha direção, com os longos e loiros cabelos esvoaçantes, sobre o pulo que sei que queres dar sobre mim, mas não dás por conta do teu recato. queria escrever sobre ti, mas não encontro as palavras para isso. não há.
por isso é melhor silenciar, e ouvir a tua voz sussurrando aos meus ouvidos enquanto me abraças, e sinto o teu perfume.

ORIENTE

hong-kong! dizia ela, eu quero ir pra hong-kong! pq não a tunísia? retrucava eu, pq não a tunísia, argélia, egito?
não, hong-kong, japão, china!
não, o magreb! marrocos... marrakesh, timbuktu...
não, não, pequim. tóquio, andar em guinza, a cidade proibida...
ah, não, eu quero do cairo a casablanca!
mas vc vai almoçar onde amanhã?
no quilo ali da esquina...

ANOTAÇÕES SOBRE M.

(texto antigo - a descrição continua atual - e realmente não foi daquela vez)


ela é esguia, e isso ainda se acentua com os longos e lisos cabelos cuja cor oscila entre o loiro escuro e um castanho dourado.
os olhos de um castanho esverdeado emoldurados por sobrancelhas tão negras como o céu dessa noite longa e um tanto estranha, cheia de perguntas incisivas feitas de um modo às vezes tímido, às vezes não. ela muito fala para disfarçar a timidez; lhe é mais fácil falar a uma multidão do que olhar nos olhos, conversando com a alma.
hiperativa cujos luminosos olhos não param, a não ser por alguns segundos, e depois evitam meu olhar, olhando o chão... e desviando a conversa, a atenção oscila, flana... como um pássaro que voa planando sobre as correntes de ar quente.
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devagar...
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um espaço vazio, algo solto no ar...
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um medo. que não seja fogo de palha, me disseram. teria que ser dito a mim? gabi, gabi, quem é que vale à pena? quem deve valer
é quem se preocupa, se ocupa, e presta atenção a ponto de antecipar a sede, quem olha nos olhos e dá-se o cuidado de manifestar o que está à flor da pele.
mas isso tudo é areia movediça, principalmente quando se ouve "vá devagar, pois prefiro que saiba por mim dos restos que ainda varro de minha alma". serão todos os restos passíveis de remoção?
talvez o erro seja jogar limpo, seja fazer às claras e manifestamente o que muitos fazem em silêncio.
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chove. o ar úmido invade o quarto abafado do hotel onde me encontro apenas por vontade própria e por mania de acreditar que as coisas possam e devam dar certo, embora nunca dêem, senão não estaria aqui. mas o tempo se esvai, e embora tão perto, estou longe. ou melhor, ela está.
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o impossível é algo que não pode se conter dentro de alguns duros limites, por ser imponderável, às vezes impossibilita sua própria impossibilidade e teima em acontecer. mas parece não ter sido dessa vez.

PEACH

(texto antigo, recuperado)


PEACH
não quero ser hipócrita, e negar coisas tão óbvias. não vou negar que tua pele sob minha mão é macia, que adoro quando meus dedos dançam sobre e no entorno de teu umbigo, mesmo quando tu dormes e ressonas, com as tuas coxas vestidas e relaxadas sobre as minhas, e os teus pés escondidos sob a almofada. tu és injusta com seus pés.
não nego que gosto mesmo das tuas unhas roídas, embora preferisse que em vez de teus dedos, fosse minha língua a ocupar tua boca. gosto da tua timidez ao descobrir que decifro teus desejos escondidos, que desnudo tua alma enquanto quero é desnudar teu corpo, arrancar tuas roupas.
não nego que fazer-te cócegas nada mais é que um modo de abraçar-te, que fazendo isso tu pulas sobre mim quase do modo que gostaria. meu carinho é provocativo, pois o mesmo dedo que acaricia também cutuca. e meu dedo em teu pescoço, tu sabes, é extensão da minha língua.
tua timidez te amarra além da conta, mas driblo-a mesmo assim. não percas mais tempo resistindo ao que tu não queres resistir. pois mais dia, menos dia, amarrarei teus pulsos e vendarei teus olhos, e na escuridão de nada adianta a luz das velas, mas a cera quente. sentir, e não ver, este será teu mote. pois o susto bem sei que também te excita, e tu sabes que sei mais dos teus limites que tu mesma.
o frio na barriga será uma constante, e tu gostas, pois tu não sabes se preferes o beijo ou a mordida, mas eu sei o que tu queres, e cabe a ti fazer-me querer fazer o que tu desejas. fazes então tu a loucura que me seduza.
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estranhamente, chove em tua terra. a temperatura mais amena faz com que vistas um agasalho. mas antes o vento gostoso te arrepia, a pelugem dourada da pele escura se eriça.
arrepio.
os dedos brincam, no umbigo e abaixo.
arrepio.
espreguiçar-se. os musculos tesos de tuas coxas definidas, o arrepio quando mordo teus joelhos.
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minha mão percorre tua serpente kundalini, do cóccix à nuca. a doce intimidade do depois, que, agora, estranhamente, é apenas um antes. sabes mais dos meus dedos que da minha língua, sei mais do teu corpo que da tua boca, tive mais as tuas coxas que tuas mãos de longos dedos. sei que me testas, besta que és.
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boba. não terás de mim os seis meses protocolares, lembra-te que sou tão livre quanto tu pensas que és, e se me escapas, escapo-te mais rápido ainda. como tu, sou fogo fátuo, sou água que te escapa entre os longos dedos de unhas roídas da tua mão.

domingo, janeiro 21, 2007

CIDADE VAZIA

pela lente da máquina fotográfica, ela está sempre linda. algumas das fotos não deixei que percebesse que eu estava fotografando... os cabelos soltos, no pátio do largo de são francisco. na frente do teatro municipal. ou simplesmente sorrindo à minha frente, no jardim botânico de curitiba ou num restaurante japonês da liberdade. sorriso com hashi...

em torno dela sempre há um encanto. são 1.257 tipos de sorrisos diferentes, e, incrivelmente, todos eles me produzemo mesmo efeito: iluminam meus olhos.

seus braços são como cordas que me atam, não desatam, até porque não o quero, e sua voz aos meus ouvidos é doce a ponto de eu ligar para ela às 3:54 da madrugada apenas para ouví-la falar. quero seus dedos percorrendo minhas costas e minha cabeça, meus cabelos, quero deitar com a cabeça em seu colo.

mas ela está longe. e são paulo está uma cidade cinzenta, vazia, estranha, sem ela por aqui. é estranho como saudades podem doer.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

sabedoria

malandra é a agulha, que toma no rabo e não perde a linha.
em terra de saci, ninguém toma rasteira.
em terra de cego, quem tem um olho pode até ser rei, mas é caolho.
às vezes a roseira balança, mesmo sem vento.
macaco que muito pula, toma chumbo.
sapo não pula por boniteza, mas por precisão.
em rio que tem piranha, jacaré nada de costas.

essas são para guardar na meia!

terça-feira, janeiro 16, 2007

ROADS

viajei, mas não tanto quanto eu queria. a barraca não chegou. não ainda. o trabalho chamou mais cedo. coisas a escrever. negri e deleuze a ler.
outras viagens virão. norte de são paulo, centro-oeste... é só o começo, pois assim será o ano todo e, se tudo der certo, irei ainda mais longe, mais ao alto, em direção ao mais antigo.
gosto da vista do alto - se, por um lado, não gosto de olhar de cima de prédios direto para as calçadas abaixo, gosto de fitar o horizonte das alturas. nada como tudo olhar do topo de uma montanha.
todas as religiões antigas tinham nos montes e montanhas seus lugares sagrados. o monte fuji no japão... de uma montanha moisés vislumbrou a terra prometida. o olimpo.... as neves eternas do kilimanjaro... sagarmatha (em nepalês, rosto do céu) ou qomolangma (mãe do universo, em tibetano), que os ocidentais chama de everest, ou a andina sentinela de pedra, o aconcágua... todos lugares um dia ligados a religiões, e que mantém seus apelos místicos...

por ora me bastará locais mais altos do que os 760 metros de altitude da capital paulistana, ou os mais de 800 de minha casa. novos ares. nova poeria sobre as mochilas.
há os que nascem para criar raízes. e os que descobrem novos campos para outros semearem. alguém tem que ir além. prefiro que seja eu, pois pedras que rolam não criam limo.