sábado, dezembro 09, 2006

nineteen sixty-nine

era dezembro. 1969. uma segunda-feira, o clima já começando a ficar quente.... o ano de 1969 fôra todo quente, não só na temperatura ambiente, mas na temperatura política: 13 de dezembro de 1968 marca o mergulho do brasil nas trevas: é decretado o famigerado ai-5, o ato institucional que supendeu o habeas corpus, suspendeu a legalidade, suprimiu a liberdade. trevas. após o ai-5 não havia mais possibilidade que não tomar as armas e partir para a luta.
mr-8, vpr, var-palmares, tantas organizações em 1969 tiveram seu primeiro ano.
fora das trevas brasileiras o mundo fervilhava...

em 1969 o homem chegava à lua, pink floyd lança o emblemático álbum ummagumma, em 15 a 17 de agosto ocorreu numa fazenda americana o maior festival de rock de todos os tempos: woodstock.
em 1969, nesse festival, hendrix fez a mais adequada e emblemática interpretação do hino nacional norte-americano. joan baez consagrou-se como a musa da música de protesto, também em woodstck, e manteve a fama: nos anos 80, aportou ao brasil, proibida de tocar, ameaçada de ser presa pelos brucutus bruta-montes da ditadura militar, desobedeceu a ordem e, no largo de são francisco, tocou uma música nova, dedicada aos alunos da velha academia: children of the 80´s.

mas o ano era 1969. ano pesado, de gente sumindo nos porões, das masmorras. em novembro. carlos marighella foi morto numa rua dos jardins, em são paulo.

era dezembro, 1969, um ano quente. segunda-feira, 8, começaram as contrações. ele, nervoso e sem carta de motorista, colocou-a no fusquinha e levou-a ao hospital. era o primeiro filho... o casal estava só, numa cidade do abc. sem parentes por perto. menos de um ano de casados...

um parto complicado: nem a fórceps... cesariana de última hora. nascia o sol do dia 9 quando veio ao mundo. pesando 3kg e 300 gramas... 51 centímetros... sagitário, ascendente em capricórnio. uma imensa vontade de conhecer o mundo e contar a todo mundo o que sabia, o que aprenderia, pois dividir conhecimento é multiplicá-lo.

talvez por ter nascido após tanto trabalho, às 6 da manhã, odeie tanto acordar cedo e, talvez por ter nascido naquele que talvez seja o mais negro ano da história brasileira, goste tanto da liberdade....

a criança nasceu. mamava bem, rosnava quando o acordavam cedo, cresceu saudável, com ossos fortes, vaso ruim que raramente trinca, nem quando caiu de cabeça de um coqueiro, quando uma onda quase o afogou, quando um carro atropelou-o e jogou-o a dez metros de distância (e nem por isso ele deixou de ir à festa à qual se dirigia), quando em casa todos pegaram caxumba e ele não. primeira gripe aos 9 anos de idade. primeira fratura (exposta) com gesso aos 31, primeiros 200kms pedalados de uma tacada só aos 34, primeira aula/palestra proferida em uma faculdade aos 17, primeiro e-mail em 1996, e uma vontade eterna de correr o mundo...

quem foi gerado e gestado em 1969 só pode ser libertário, só pode entender que viver é resistir. a pedra dura caleja e adestra a mão, a melhor vista só se tem depois da árdua escalada, a praia virgem após a árdua caminhada. pois se nada é anormal, bom é ser incomum: como um gato vira-latas com orelhas rasgadas de tantas brigas, e cada unhada recebida se torna uma marca distintiva.

a dor e a delícia de ser o que se é. apenas mais um.