quinta-feira, novembro 30, 2006

NA MATA

era assim naquele tempo: nossas botas, ou eram velhos coturnos militares, ou as leves mas nem um pouco resistentes botas comander. eu usava coturnos, herdados dos tempos em que era aluno de escola militar. calças jeans velhas, jaquetas jeans velhas, um bom cinto, que aguentasse um cantil pendurado. uma mochila pequena, contendo, no mais das vezes, apenas uma faca ou canivete, fósforos embalados em plástico, alguma panelinha, e comida. nada além disso.

pegávamos o trem e íamos a paranapiacaba, nossa base para as incursões mata adentro, rumo a cubatão. desciamos sempre a serra do mar pela mata, cada vez por um caminho novo, e nunca nos perdemos. já circulávamos há muito por ali, fazendo parte de passeios escoteiros, ou expedições, recolhendo lixo pelas trilhas.

era um domingo, quente, abafado, como sempre. uma camiseta cobria o rosto, protegendo contra os mosquitos, os borrachudos infernais que nos atacavam. descêramos uma trilha, chegamos ao rio. paramos. com alguns galhos secos fizemos uma pequena fogueira sobre uma grande pedra, para aquecer algum almoço. lanches. água do rio.

naquela vez o rio estava alto, muita água descia. continuamos pelo rio, e, num dado momento, através da água. eu ia com água pelo peito, com a mochila ao alto da cabeça, para não molhar nada dentro, quando lembrei que a carteira estava no bolso. minha identidade ainda guarda marcas daquele dilúvio... mais à frente, as solas dos meus coturnos se soltaram. adiante, rasgaram-se as pernas das calças....

à margem, com uma faca, transformei minhas calças em uma bermuda estranha. o claudinei, não sei bem o poruqê até hoje, tinha na mochila dele um par de botas comander beeeem velhas, que me emprestou. por fim, alguns quilômetros adiante minha mochila simplesmente soltou ambas as alças....

meu pobre "equipamento" se desfizera daquela vez. improvisei uma nova mochila com um saco de plástico e uma cordinha de sisal.

chegamos ao nosso ponto final, no pé da serra, a tempo de correr e pegar, em movimento, o trem que nos levaria de volta ao alto da serra, a paranapiacaba. dali outro trem até santo andré.

cheguei, como sempre, exausto e feliz, imensamente feliz, em casa. um dia inteiro na mata... na mata atlântica fechada, nos caminhos onde tanta gente se perdera e morrera, onde nós tinhamos nosso playground. onde viamos cobras pelos caminhos, onde achávamos rastros de outros bichos, onde as bússolas eram inúteis para a orientação, onde éramos livres aos 15 anos.