quinta-feira, novembro 23, 2006

MOCHILA

ele era cartorário. um pouco de estudo, uma namorada que agora apenas aturava (como se livrar dela,s e estavam juntos desde a oitava série, e a família inteira o conhecia? como explicar que aos 14 anos ela não parecia sonhar tão pouco?), e muita vontade de cair no mundo.

um dia não apareceu para trabalhar. em casa nada encotraram, levara algumas roupas e uma grande mochila. a conta bancária havia sido fechada na véspera, fora visto na rodoviária, embarcando num ônibus para salvador.

dois anos depois foi visto em porto seguro.

15 anos depois ele voltava. a antiga namorada casara com um vizinho e já estava no quarto filho. os amigos de infância levando aquela vidinha. todos com suas casas. com suas esposas. com seus filhos. com seus churrascos de final de semana, com a disputa besta pelo melhor lugar na missa, a briga de foice pela taça do campeonato de futebol do único clube da cidade, a competição pelo carro mais caro.

ele voltou. já havia alguns fios de cabelos brancos a tingir as têmporas. uma cicatriz numa mão.
demoraram a perceber que o novo morador era ele.
abriu uma escolinha de inglês, onde era o único professor. o único professor de inglês da cidade, aquela cidade de monoglotas.

falava muito pouco do tempo que passara fora. deu início a alguns projetos sociais e, ao contrário do que imaginaram quando fez isso, não se candidatou a vereador ou a qualquer outro cargo.
apenas dava aulas de inglês, fazia alguns trabalhos voluntários.

e provocava os mais jovens a conhecerem o mundo.

em pouco tempo o combatiam, acusavam-no de corromper a juventude, de instilar idéias subversivas.

cansou-se. e, de novo, um dia sumiu.

mas, desta vez, a cidade sentiu, e muito, a sua falta, e a falta dos que, posteriormente, aos poucos, foram também saindo, sumindo, viajando, e voltando, provocando e chacolahando a vidinha besta dos que ficavam.

a cidade nunca mais fora a mesma. e os mais velhos reclamavam daquela juventude insolente que preferia estudar a casar cedo. e que inventava de alfabetizar todo mundo, de montar um cursinho gratuito para aqueles que queriam cursar faculdades em outras cidades, de andar e viajar de mochila nas costas.

pois nada mais subversivo do que ter os olhos abertos.