quinta-feira, novembro 30, 2006

TEMPO

ele tinha a sensação de que era sempre uma perda terrível de tempo. e era. sempre as mesmas conversas nas mesmas reuniões. a prima que não cansava de falar dos detalhes do casamento próximo, a tia que não desistia de do filho que engravidara a nora que ela não desejava, a amiga que vivia em depressão há 5 longos anos por sentir-se apaixonada por um rapaz que sequer sabia seu nome, o tio que sempre bebia, o pai sempre cansado da azáfama diária, a mãe sempre reclamando de tudo e sonhando alto com uma casa nova que nunca viria.

ele olhava em volta, toda vez era assim. sempre as mesmas conversas, dia após dia, semana após semana, ano após ano.

completara 18 anos, fora convocado pelo exército, foi servir em outra cidade. no quartel era tudo também sempre igual. um sargento que gritava o tempo todo, os colegas contando vantagens sobre mulheres, sobre pescarias inverossímeis, sobre carros que não possuíam. e ele via que era tudo perda de tempo.

terminou o serviço militar e ele não voltou para casa. tomara um trem para a capital. e de lá, um navio para não se sabe onde, embarcara como marinheiro por falta de dinheiro para a passagem.

uma vez mandou um postal da áfrica para os pais, sem um endereço para uma resposta.

anos depois voltou. uma tatuagem no braço, um dedo do pé a menos, uma cicatriz de bala numa perna, uma condecoração de um governo africano.

quando bateu à porta da casa não o reconheceram de imediato. o primeiro a fazê-lo fora o velho pai, o único que não condenva sua saída, e sempre lamentara não ter ido junto.